Coleta seletiva fortalece operadores do lixo, mas desafios persistem

Catadores tiram R$ 300 por mês em cooperativas de Maceió e ainda aguardam boa vontade de empresários







'Coleeta, olha a coleeeta'. Uma nova realidade? Pelo menos é o que está acontecendo no bairro do Benedito Bentes, onde catadores batem de porta em porta na expectativa de receber material reciclável ou popularmente conhecido como lixo seco. De um lado, um projeto desenvolvido pelo Município visando à coleta seletiva e ao ajuste do meio ambiente; do outro, 28 catadores na luta diária e insana para tirar R$ 300 e sustentar a família.


O aumento da produção e do consumo de produtos gera uma demanda cada vez mais crescente por medidas alternativas que transformem resíduos - antes pouco aproveitáveis - em objetos e materiais de utilidade diária e cotidiana. Diante dessa realidade, as cooperativas exercem fundamental importância na gestão residual e se transformam em protagonistas sociais.

A causa principal do problema é a falta de assistência dada por empresas, tanto na doação quanto na compra de material. Os catadores nem pedem muito, só o básico para sobreviver. "A gente só quer um dinheirinho a mais, por isso, pedimos que as empresas nos compreendam, doem e comprem o lixo já separado", diz Patrícia Ramos, coordenadora da Cooperativa dos Recicladores de Alagoas (Cooprel/AL), sede situada no Benedito Bentes.



Gazetaweb acompanhou o trabalho das catadoras durante dois dias, no conjunto João Sampaio, no complexo habitacional; e na Vila Emater, no bairro de Jacarecica. No Benedito Bentes, a reportagem se depara com mulheres vestidas com a camisa da cooperativa, sacolas nas mãos e batendo de porta em porta. Elas recolhem o lixo doméstico e aguardam o caminhão para transportar o material até a Cooprel. Já na cooperativa, os catadores se mobilizam e, em um mutirão diário, separam os dejetos, o que é plástico, metal, papel e vidro.


O veículo pertence a uma empresa contratada pela Superintendência Municipal de Limpeza Urbana de Maceió (Slum). Mas, o trabalho de coleta não se restringe ao caminhão nem às residências, pois há "carrocinhas" específicas da cooperativa para coleta nas casas e nos Pontos de Entregas Voluntários (PEVs) situados na Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), Escola Estadual Eunice Lemos Campos (Benedito Bentes I), na Toyota e outros dois em um posto de combustíveis na Serraria. 

Após a separação do lixo seco, os catadores colocam os materiais em comportas para o destino final: vender a empresas que compram o material. Os preços variam, a depender da quantidade e do tipo do lixo. Sabe-se, apenas, que 15 toneladas saem para venda. É pouco! O ideal, segundo os catadores, é de 30 toneladas. O trabalho realizado tem o objetivo de fazer com que os dejetos não se percam, sejam aproveitados e o material, utilizado pela população, para um fim determinado. Um ciclo ambiental que pretende reduzir a poluição, separar o lixo que segue para o aterro sanitário e sustentar inúmeras famílias.





"Hoje, a gente tenta se manter com trezentos reais, chegando às 6h e saindo às 18h. No meu caso, meu marido está desempregado e tenho três filhos para sustentar. O que reclamamos aqui é da falta de segurança e das empresas que não nos ajudam, nem para doar nem para comprar nada. Só a Tomé, do Cais do Porto, doa lixo toda semana, e só umas quatro empresas compram. Também pedimos a consciência da comunidade, que se acomoda e junta o lixo todo, acabando com o meio ambiente e com nosso trabalho", comenta Patrícia Barros.








Além do trabalho de reciclagem, os catadores que não sabem ler e escrever contam com aulas de alfabetização, ministradas por uma estudante da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) também auxilia a cooperativa com cursos de relacionamento interpessoal.

"É bom o serviço aqui na cooperativa e as aulas que a gente tem, mas enfrentamos dificuldade por causa da falta de um dinheiro extra. Não queremos muito, só um pouquinho a mais para manter nossas famílias", lamenta a catadora Maria José dos Santos, de 64 anos.

Rosa Esmeraldina Duarte, moradora do conjunto João Sampaio, elogiou o trabalho feito pelas catadoras e falou sobre a importância da coleta. "Em vez de jogar o lixo que pode ser aproveitado, por que não contribuir com o trabalho das meninas? Apoio a iniciativa e, toda semana, separo em casa o seco do molhado, e oriento os meus vizinhos para que ajam assim também", diz.

Projeto

Em setembro de 2013, a Slum começou um trabalho educacional com um grupo específico, objetivando informar e orientar a população do Benedito Bentes para a aderir à coleta seletiva. De acordo com a coordenadora, Niedja Barros, a Braskem atuou como grande parceira ao doar sacos e panfletos. O serviço durou até março do ano passado, mas, já em fevereiro, a Cooprel, situada na Serraria, expandiu-se com a primeira filial, no Benedito Bentes. A sede da Cooprel, que existe desde 2004, é formada por ex-empregados da extinta Cobel, empresa que fazia a coleta urbana em Maceió e que fechou as portas em 2001.

"É um trabalho essencial voltado à conservação do meio ambiente. Remanejamos todo um efetivo de catadores e fizemos um trabalho com eles e os moradores. Um projeto que saiu do papel, cuja prática deu certo, com ação de porta em porta, em todas as regiões do bairro. Agora, sabemos que tem moradores que aderem à coleta e outros que não separam e esperam o caminhão para levar o lixo até o aterro sanitário", explica Niedja.








Questionada sobre a coleta em outros bairros, a coordenadora disse que a prática é comum em pequenas localidades de alguns bairros, como Cruz das Almas e Jacarecica. "No momento, fazemos um estudo para apontar as necessidades do plano de coleta, tendo em vista a gravimetria do lixo, ou seja, a análise da quantidade de lixo produzido para o recolhimento. A pesquisa pretende verificar a necessidade de quantos galpões servirão para dar suporte ao processo de coleta. O cronograma das atividades dura seis meses, mas a escolha da empresa contratada pelo Município ainda passa por licitação.

A coleta seletiva do lixo, agora, é amparada por lei municipal, e o trabalho realizado, na visão de Nadja Barros, vem reforçar a ampliação da coleta e a valorização das cooperativas em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. "Esta lei, na verdade, vem para reafirmar o compromisso que devemos ter com a comunidade, os catadores e o meio ambiente".

Outras demandas

Atualmente, Maceió conta com mais duas cooperativas: a Cooperativa dos Catadores da Vila Emater (CoopVila) e a Cooperativa de Recicladores de Lixo Urbano de Maceió (Cooplum).

A Cooperativa de Recicladores de Lixo Urbano de Maceió foi instituída em setembro de 2001 e é a mais antiga da capital alagoana. Atualmente, ela é formada por 18 pessoas que vivem exclusivamente da coleta de lixo e está localizada em um terreno no bairro de Jacarecica. Assim como outras cooperativas, é formada por catadores que atuavam no antigo lixão de Maceió há alguns anos.





Maria José da Silva é presidente da Cooplum e conta que recebe, aproximadamente, 35 toneladas de lixo por mês. Parece muito, mas não é. "A gente ganha de acordo com o que a gente coleta. O mês de abril está muito fraco, já que estamos recebendo pouco lixo. Precisamos coletar mais resíduos. Estou tirando, no máximo, quinhentos reais por mês", destaca.


O trabalho, muitas vezes, não é feito da maneira mais correta e apropriada possível, já que faltam alguns equipamentos essenciais para realizar o trabalho completo. O 'levantador de fardo' - máquina responsável por erguer cargas de papelão, papel e plástico até o caminhão do lixo - está em falta. O resultado é um peso de 200 kg carregado nas costas.

"O material é muito pesado para carregar e os cooperados sofrem para conseguir levar todo aquele peso em cima dos ombros. Até para colocar o material em cima de um caminhão é complicado", explica.

O espaço da cooperativa funciona em regime de comodato e a presidente conta que o contrato já venceu em 2014. "Estamos trabalhando para que ele seja renovado. Acredito que será. Na verdade, o que a gente queria mesmo era um lugar próprio, nosso", ressalta.

A respeito da Lei 6.382, promulgada este mês pela Câmara de Maceió, que implanta a separação de resíduos em casas, condomínios, indústrias e órgãos públicos, a presidente é enfática. "Acredito que essa lei é extremamente positiva para todos. Os maceioenses produzem muito lixo todos os dias e não custa nada separar e reciclar. Isso vai contribuir e facilitar bastante o trabalho da gente", encerra.








Fundada em 2008, a CoopVila é formada por 40 cooperados que antes trabalhavam no antigo lixão de Maceió, desativado em abril de 2010. A organização é fruto das constantes mobilizações realizadas pelos catadores em busca de uma vida melhor e equidade social. "No começo, a nossa produção era bem pequena. Não tínhamos estrutura física e nem equipamentos adequados. As atividades só se fortaleceram a partir de 2010", lembrou Ana Lúcia Ferraz, membro da CoopVila e coordenadora do projeto 'Reciclar e Educar'.

Patrocinado pela Petrobras, o projeto surgiu a partir da firmação de um convênio fruto de um edital publicado pela estatal em 2012. Em setembro de 2013, a parceria foi firmada e, dentro desse contexto, houve a maturação do programa, que construiu mais sustentabilidade, amplia o trabalho da coleta e mobilizou a união das cooperativas visando construir uma organização mais forte e conjunta.

"O projeto também conseguiu construir uma estrutura física maior na própria cooperativa. Além disso, ampliamos a coleta seletiva em áreas prioritárias, como Ponta Verde, Pajuçara e Farol", acrescenta.

Eliene da Silva, presidente da Coopvila, explica que os cooperados passam por algumas dificuldades, já que as atividades deveriam ser feitas em um galpão, que tem previsão de ser implantado ainda este ano. Atualmente, os catadores precisam se desdobrar e fazer a separação dos resíduos a céu aberto e sem nenhum tipo de proteção contra o sol ou a chuva.

"É muito cansativo. Quando chove, a gente fica arriscado a perder todo o material que coletamos, já que a água da chuva dificulta a triagem e todos os trabalhos ficam prejudicados. Quando não é a chuva, é o sol, que é muito quente", comenta.





A respeito da lei de coleta seletiva implantada em Maceió, ela dispara: "A lei deixa a gente mais segura. Vamos ser mais valorizados socialmente. As pessoas precisam entender que a profissão de catador é tão digna quanto qualquer outra", pontua a presidente, afirmando que a cooperativa chegar a receber 30 toneladas de lixo por mês.


Fabiana Conceição, 32 anos, trabalha há seis anos na CoopVila. Assim como os seus colegas, ela também era catadora do antigo lixão de Maceió. "Sou feliz aqui, só acho que poderia ganhar mais. Para o que passei no lixão, isso daqui é uma maravilha. Lá, a gente brigava pelo lixo. Aqui eu tenho meu cantinho para trabalhar. Tenho mais dignidade e trabalho de forma mais segura", finaliza ela, com um sorriso largo no rosto.

Legislação

A Câmara de Vereadores de Maceió promulgou a lei que autoriza a implantação do sistema de coleta seletiva de lixo na capital, tornando, portanto, obrigatória a separação de resíduos recicláveis no âmbito do Município. O descumprimento da norma pode gerar multa no valor de R$ 500. 

De acordo com a Lei nº 6.382, a separação dos resíduos deve ser, obrigatoriamente, implantada em casas, condomínios residenciais e comerciais, indústrias e órgãos públicos federais, estaduais e municipais. O pré-requisito é que a pré-seleção domiciliar seja feita em, pelo menos, dois grupos, o dos recicláveis e o dos orgânicos, além de eventual separação de óleo de cozinha e out ros materiais pertinentes. 

Para que a lei possa ter eficácia, a Prefeitura de Maceió deverá montar uma logística para recolhimento e transporte dos resíduos até as unidades de triagem. Também serão fornecidos pelo Município às cooperativas equipamentos necessários para este trabalho, como prensas, balanças e carroças. 








Os condomínios residenciais, empresas privadas e órgãos públicos deverão realizar campanhas internas de incentivo à pré-seleção para a coleta seletiva de lixo, adotando recipientes próprios para a separação do lixo orgânico e dos materiais recicláveis.

O descumprimento da lei vai acarretar em advertência e, no caso de reincidência, em multa no valor de R$ 500 e na suspensão do alvará de funcionamento, no caso de estabelecimentos comerciais e industriais. Os valores referentes às multas serão destinados ao Fundo Municipal de Meio Ambiente.

Interior

Quatorze municípios da região Sul de Alagoas assinaram, em março, a adesão a um plano de coleta seletiva de resíduos sólidos. Com nova metodologia de recolhimento de lixo implantada, mais de 500 mil habitantes dessa área do estado terão que mudar totalmente os hábitos. Ainda não há prazo definido, porém, para que a estratégia seja implementada efetivamente. As cidades serão visitadas para iniciar o trabalho educativo com a população.

A assinatura do plano aconteceu durante reunião com prefeitos e representantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), ocorrida na sede da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), no Farol, com o objetivo de discutir a implantação da coletiva seletiva de lixo nos municípios de Alagoas e apresentar um website especialmente desenvolvido para política de resíduos sólidos.








O plano de coleta seletiva abrange os municípios de Jequiá da Praia, Piaçabuçu, Feliz Deserto, Penedo, Porto Real do Colégio, São Brás, Igreja Nova, Boca da Mata, Campo Alegre, Teotônio Vilela, Junqueiro, São Miguel dos Campos, Coruripe e São Sebastião, integrantes do Consórcio Intermunicipal do Sul do Estado (Conisul). No encontro, foram aprovados os primeiros passos de implantação, que é a inserção da disciplina de educação ambiental nas escolas, além da produção de peças publicitárias para divulgação, visando à conscientização dos habitantes dessas localidades.

O objetivo do programa de coleta seletiva no interior, segundo a diretora de planejamento da secretaria, Elaine Melo, é a educação ambiental com a separação correta do lixo seco e molhado, bem como a diminuição dos impactos causados pelos lixões municipais e, consequentemente, a criação de aterros sanitários, que é o maior propósito da discussão. Ao todo, 90 municípios estão juntos em sete consórcios públicos, voltados à criação de aterros sanitários.


Por Gazeta Web

Sábado, 18 de Abril de 2015

Coleta seletiva fortalece operadores do lixo, mas desafios persistem Coleta seletiva fortalece operadores do lixo, mas desafios persistem Reviewed by Unknown on abril 18, 2015 Rating: 5

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